A Crise do COVID-19 e uma Lição:
É PRECISO TER RESERVAS FINANCEIRAS

Por João Victor da Silva

“As empresas têm que trabalhar com um saldo de caixa, o suficiente para se manter sozinha durante dois ou quatro meses, o que nunca ocorreu no Brasil”. Estas palavras de Bruno Ventura, economista e consultor de empresas, destacam um dos grandes ensinamentos que a crise do COVID-19 vai trazer para as empresas brasileiras: a necessidade de manter reservas financeiras suficientes para assegurar a saúde dos seus negócios durante períodos de grandes disfunções da atividade econômica, como estamos vivenciando agora.

É verdade que a crise do COVID-19 é totalmente diferente das que foram vivenciadas pela sociedade brasileira em sua história. Afinal de contas, usualmente, as crises econômicas possuem quatro origens diferente:

 

1. Choques negativos na demanda agregada:
Este tipo de crise geralmente ocorre quando a economia sofre algum distúrbio, o qual reduz o nível de consumo de indivíduos, empresas e do governo na economia. Algo, não muito distante do que estamos observando durante a pandemia. Exemplos de choques negativos na demanda agregada são desastres naturais, ataques terroristas e quebra das bolsas de valores. Tais acontecimentos geralmente afetam a renda e patrimônio de famílias e empresas e consequentemente seus níveis de consumo.

 

2. Exuberância Irracional:
Tal fenômeno descrito pelos economistas Alan Greenspan e Robert Shiller, destaca que em certos momentos os mercados, geralmente por motivos psicológicos, possuem um otimismo infundado acerca das futuras condições econômicas. Causando, desequilíbrios na economia e nos mercados financeiros e trazendo crises, como ocorreu na “bolha da internet”, no início dos anos 2000.

 

3. Crises financeiras e cambiais:
Outra fonte de crises econômicas se dá por falhas na regulamentação e operações bancárias, e por políticas equivocadas de bancos centrais e outras agências governamentais econômicas. Estas instituições promovem uma política de juros ou de câmbio que causam grandes disfunções e se traduzem em problemas no mercado de crédito, monetário e financeiro. Tais acontecimentos tendem a afetar outros setores da economia, como aconteceu na crise financeira de 2008.

 

4. Intervenções econômicas
Por fim, muitas crises econômicas são causadas por atuações desastrosas de entidades governamentais, que causam grandes distorções no mercado, como ocorrido na crise brasileira de 2013 a 2016.

O que todas as crises têm em comum são os ensinamentos que elas trazem. Com o COVID-19 não será diferente, apesar da improbabilidade deste cenário voltar a se repetir. Portanto, é importante elucidar as principais características da crise atual.

Primeiramente, como ocorre em qualquer pandemia, as pessoas e empresas geralmente tomam precauções extras como o uso de medidas e equipamentos profiláticos (álcool gel, máscaras, luvas, lavar as mãos, distanciamento social, etc.). Além disso, muitos tendem a mudar seus hábitos como evitar locais com aglomerações de pessoas, viajar menos e reduzir o consumo devido às incertezas econômicas. As diferentes medidas e posturas profiláticas que ocorrem durante uma pandemia aumentam os custos das empresas e reduzem suas produtividades.

Contudo, o ponto mais peculiar da corrente crise são as medidas demasiadamente restritivas aplicadas por diversas regiões do Brasil e do mundo. As restrições no funcionamento das empresas afetam profundamente a atividade econômica. As vendas tendem a cair substancialmente, e o comércio exterior de produtos ditos “não-essenciais” é reduzido drasticamente. Em um mundo globalizado e onde a maioria dos países adotam economias de mercado, tais medidas afetam a capacidade das empresas de fazer e receber pagamentos. Afinal de contas, a divisão do trabalho causa uma enorme interdependência entre os agentes econômicos.

Como mencionado anteriormente, a crise do COVID-19 está causando grandes disfunções no fluxo de caixa das empresas. Tal problema está sendo agravado pelas estratégias de gestão de grande parte das empresas do país que adotaram posturas agressivas de crescimento como a de alavancagem ou pela grande retirada dos resultados da empresa pelos acionistas. Endividamento e baixo saldo de caixa vem sendo a regra para muitas empresas do país. Este método, apesar de em tempos de bonança ser altamente rentável, no caso das estratégias de alavancagem, ou dos acionistas desfrutarem dos bons resultados de suas empresas, fazem com que o setor privado se exponha demasiadamente em momentos adversos da economia.

Para ilustrar a importância de as empresas terem saldo de caixa suficiente para manter sua saúde financeira por alguns meses, mesmo em momentos de crise severas, é essencial analisar a teoria do Money View, adotada por muitos participantes do mercado financeiro e por economistas como Perry Mehrling.

Um dos principais conceitos que a teoria do Money View traz é a hierarquia do dinheiro. O conceito demonstra que existe uma hierarquia do que é ou não dinheiro, dependendo do ponto de vista de diversos atores econômicos e da situação econômica. Em tempos onde os mercados e a economia estão prosperando e funcionando bem, empresas e indivíduos conseguem facilmente transacionar instrumentos financeiros como títulos do governo para depois realizar os pagamentos que necessitam. Contudo, quando o mercado financeiro e a economia estão sob stress, o mais importante é ter o dinheiro em mãos, o ativo com maior liquidez. Para grande parte dos agentes econômicos do Brasil o topo da hierarquia é o real. Porém, para os que realizam transações internacionais, o topo da hierarquia é o dólar americano.

Atualmente, é possível observar que muitos agentes econômicos estão em uma “corrida” pelos ativos mais líquidos, em especial reais ou dólares. Tanto que o Banco Central está adotando várias políticas para prover liquidez aos agentes econômicos. O intuito de ter dinheiro (liquidez) é para garantir a capacidade das famílias e empresas de honrarem seus compromissos, para se manterem solventes.

Para entendermos a necessidade das empresas terem ativos líquidos (aqueles que podem ser vendidos e comprados em volume, rapidamente e sem grandes flutuações no preço), a teoria do Money View também destaca um conceito importante: a liquidez da estrutura de capital. Basicamente, os proponentes do Money View enxergam que empresas e famílias sofrem de restrições de liquidação. Todas as empresas precisam ter recursos em caixa suficiente para realizarem os seus pagamentos na data de vencimento destes. Para isso, as empresas precisam que uma quantidade suficiente de recurso entre em seu caixa para os pagamentos de suas obrigações na data de seus vencimentos. Abaixo segue uma ilustração da estrutura de capital de alguns tipos de empresa:

 

1. Estrutura de capital líquida:

 

T

T+1

T+2

T+3

Fluxo de Caixa

R$ 1.000

R$ 1.000

R$ 1.000

R$ 1.000

Pagamentos em vencimento

R$ 500

R$ 500

R$ 500

R$ 500

 

 

2. Estrutura de capital ilíquida (incompatibilidade atual):

 

T

T+1

T+2

T+3

Fluxo de Caixa

R$ 1.000

R$ 1.000

R$ 1.000

R$ 1.000

Pagamentos em vencimento

R$ 3.000

R$ 0

R$ 0

R$ 0

 

 

3. Estrutura de capital ilíquida (incompatibilidade futura):

 

T

T+1

T+2

T+3

Fluxo de Caixa

R$ 1.000

R$ 200

R$ 200

R$ 200

Pagamentos em vencimento

R$ 800

R$ 800

R$ 800

R$ 800

 

Em última análise, as ilustrações acima demonstram que se as entradas e saídas de caixa não estiverem alinhadas, a empresa pode ter uma estrutura de capital sem liquidez. Em tempos normais, as empresas podem recorrer a empréstimos para ajustar os desequilíbrios na sua estrutura do pagamento. Porém, em tempos de crise, os bancos tendem a restringir sua oferta de crédito, visto que, a capacidade das empresas se manterem financeiramente saudáveis torna-se mais incerta. Como resultado, as empresas têm que buscar suporte em suas reservas, com o intuito de honrar seus compromissos.

Na crise do COVID-19, muitas empresas estão como uma estrutura de capital similar ao cenário três. A queda no faturamento, decorrente das restrições do funcionamento da econômica, reduziram a sua capacidade de honrar os pagamentos futuros. Como os bancos estão relutantes em fazer empréstimos para muitas empresas, devido ao crescimento dos riscos, as mesmas estão tendo que utilizar suas reservas financeiras para se manter nos mercados. Porém, como muitas empresas não possuem esta reserva de caixa, apenas aquelas que conseguirem renegociar suas obrigações e reduzir custos, terão capacidade de sobreviver à crise.

Toda esta explicação, nos leva de volta ao início do texto, onde é destacado a importância das empresas possuírem um saldo de caixa suficiente para custear suas obrigações por alguns meses. Certamente, muitos argumentarão que tais medidas reduzem a capacidade das empresas de crescer e inovar. Afinal de contas, empreender é risco. Entretanto, correr riscos, algo importante para o funcionamento de uma economia de mercado, não deve estar acima da capacidade da empresa de honrar suas obrigações. O gestor de uma empresa deve ponderar as condições de curto, médio e longo prazo que uma empresa enfrentará. Novas crises surgirão e apenas os gestores prudentes terão a capacidade de manter suas empresas sustentáveis.

 

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