Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos Estados Unidos.
A redução das taxas de juros no Brasil e a elevação do risco-Brasil, associado a outros problemas políticos e econômicos, fez com que a taxa de câmbio brasileira ficasse em um patamar superior a R$5,00/US$. Em maio, a cotação da moeda americana chegou a quase R$6,00/US$. Inevitavelmente, a desvalorização do real em relação ao dólar teve um grande impacto para a economia nacional, visto que, ao menos no curto prazo, as exportações brasileiras são favorecidas em relação às importações. No entanto, outros problemas passam a surgir, como o aumento da inflação em decorrência do aumento do preço dos produtos importados e redução do poder de compra dos brasileiros no exterior. Então, é essencial questionar: o dólar alto é bom para o Brasil?
Primeiramente, é importante esclarecer como a crise da COVID-19 levou à desvalorização do real. Basicamente, com a preocupação de todos os governos ao redor do mundo acerca de um alto potencial de contágio e letalidade da COVID-19, grande parte dos países adotou medidas de mitigação ou supressão do vírus. Consequentemente, com restrições ao funcionamento de diversas atividades econômicas, houve uma retração da economia mundial. Com o intuito de mitigar os efeitos da crise, a maioria dos governos ao redor do mundo puseram em prática políticas econômicas anticíclicas, tanto pela expansão monetária como pela expansão fiscal.
A expansão monetária (redução das taxas de juros) é um dos principais fatores para entender a desvalorização do real. No Brasil, o Banco Central reduziu a taxa de juros de 4,5% no início do ano para 2% (menor patamar da história). Essa forte queda fez com que os agentes econômicos realocassem seus recursos investidos no Brasil para outros países que oferecem mais segurança ou taxas de juros maiores. Isto fez com que houvesse uma menor procura por reais e uma maior procura por dólares; assim, elevando a taxa de câmbio.
Gráfico 1: Taxa de Juros – Meta Selic definida pelo COPOM
Fonte: Bacen
Além da queda dos juros, a recessão a nível mundial e a instabilidade política brasileira fizeram o real se desvalorizar ainda mais. Quando consideramos a recessão a nível mundial, os agentes econômicos buscam transferir seus recursos de países em desenvolvimento para economias mais fortes, em especial, aquelas que possuem moedas de reserva internacional (dólar, euro, franco suíço, libra, iene etc). Este movimento faz com que as moedas de reservas se valorizem, enquanto as outras moedas perdem valor. No ambiente doméstico, a saída do Ministro Sérgio Moro do governo, as crises entre o Executivo e o Judiciário, e a deterioração das contas públicas elevaram o risco país (gráfico 2) e estimularam a desvalorização do real (gráfico 3).
Gráfico 2: Risco Brasil
Fonte: IPEA
Gráfico 3: Taxa de câmbio R$/US$
Fonte: FRED St. Louis
A desvalorização do real, ao menos no curto prazo, tem consequências tanto positivas quanto negativas. A parte positiva é que os produtos brasileiros ganham competitividade no mercado internacional. Isso faz com que as exportações brasileiras cresçam, logo, a balança comercial do país acaba melhorando. Em julho, por exemplo, a balança comercial brasileira registrou superávit recorde de US% 8,06 bilhões. Além disso, a indústria brasileira, que nas últimas décadas vem perdendo força em decorrência da maior competitividade de outras economias, principalmente dos asiáticos, do dólar baixo e do alto custo de produção no Brasil também pode se beneficiar do dólar mais alto.
No entanto, vale destacar que essas vantagens, em geral, não são sustentáveis no longo prazo. Afinal, a taxa de câmbio tende a se valorizar com sucessivos superávits e a indústria não se mantém competitiva sem aumentos na sua produtividade.
Um dos mais nocivos do câmbio elevado, em especial para a população com renda mais baixa, é a inflação. Afinal de contas, a desvalorização da moeda faz com que o preço de produtos importados suba. Além disso, produtos que são comercializados essencialmente no mercado doméstico também passam a se tornar atrativos no mercado internacional. Assim, parte da produção destes produtos passam a ser exportada e a oferta no mercado doméstico cai, elevando assim os preços. Hélio Beltrão e Anthony Geller explicam que o aumento do preço do arroz, apesar do recorde de produção, é provocado pelo aumento do dólar e a redução das taxas de juros, o que faz com que as exportações de alimento batam recordes. Ou seja, mudanças abruptas na economia acabam por desorganizar o funcionamento dos mercados, podendo levar ao aumento de preço de alguns produtos.
A desvalorização da moeda acaba por reduzir o poder de compra da população em termos internacionais. Afinal, a desvalorização além de reduzir o poder de compra de produtos e matérias-primas importadas, também reduz a capacidade de investimento de empresas brasileiras no exterior e reduz o poder de compra de cidadãos brasileiros em viagens no exterior. Basicamente, todos ficam mais pobres internacionalmente.
Além disso, é importante destacar que empresas brasileiras que possuam dívidas denominadas em moeda estrangeira sofrem com a deterioração do valor de suas dívidas em moeda nacional. Afinal, visto que muitas destas empresas tem a maior parte de sua receita denominada em reais, a capacidade de pagamento da dívida em moeda estrangeira acaba sendo reduzida. Como ilustração a esse ponto, o Banco Central divulgou em maio que a dívida das empresas brasileiras em dólar era de US$ 482 bilhões. Esse valor em janeiro equivaleria a R$ 1,939 trilhões; já em maio a dívida equivaleria a R$ 2,846 trilhões. Em última análise, isso faz que muitas empresas precisem realizar processos de reestruturação, o que acaba desacelerando a economia.
Em suma, é preciso compreender que, apesar de potenciais ganhos das exportações e da produção industrial, uma desvalorização abrupta da moeda não é favorável para um funcionamento eficiente da economia. Afinal de contas, a alta violenta da taxa de câmbio, como ocorreu em 2020, desorganiza diversas atividades econômicas, causa pressões inflacionárias e traz problemas para empresas brasileiras que possuem dívida em moeda estrangeira. Certamente, uma taxa de juros elevada, como a que se tinha no Brasil em um passado recente, não recompensa a economia brasileira com a valorização do câmbio. Contudo, a taxa de juros atual parece não estar alinhada com a taxa de juros natural. Em uma análise realizada pela Infinity Asset Management em junho, foi destacado que o juro real brasileiro era negativo e menor do que países muito mais desenvolvidos e economia com uma condição financeira mais sólida como a Suíça, Suécia, Austrália, Cingapura, entre outros. Ou seja, a política monetária no Brasil está em uma condição irreal para os padrões de desenvolvimento e das contas públicas do país. Logo, é importante que haja uma readequação do câmbio, dos juros e da política fiscal para manter o ambiente macroeconômico do país estável.
Referências
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