Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos Estados Unidos.

         No dia 25/11/2020, foi aprovado no Congresso Nacional o projeto de lei 4.458/2020 que trata da nova legislação de falências no Brasil. O projeto ganha uma relevância especial, pois o país vive um momento econômico turbulento e a aprovação de uma reforma econômica sinaliza que o parlamento brasileiro pode avançar a pauta reformista do governo. No entanto, o projeto de lei não é uma unanimidade, alguns especialistas argumentam que o projeto pode ser desvantajoso para a economia do país. Já o Ministro da Economia, Paulo Guedes, argumenta que o projeto deve acelerar a recuperação de empresas no Brasil.

         Primeiramente, é importante destacar a importância da lei de falências para o funcionamento da economia de um país. Em toda sociedade que estabelece um sistema econômico de mercado, a economia passa por um constante processo de transformações. Afinal de contas, os empreendedores desenvolvem novos produtos e serviços inovadores que mudam a dinâmica do mercado e os consumidores mudam constantemente suas preferências. Esta condição faz com que empresas que não são eficientes e que vendem produtos e serviços desalinhados com os desejos dos consumidores sejam removidas do mercado. O economista Joseph Schumpeter caracterizava esse processo, típico das economias de mercado, como “destruição criativa”, pois novos produtos e processos de produção constantemente tomam o lugar dos produtos e métodos de produção antigos.

         Os professores de direito corporativo – Thomas H. Jackson e David A. Skeel – explicam que as leis de falências modernas buscam primariamente desenvolver um processo de falência que permita que os ativos da empresa sejam alocados de melhor maneira. Afinal de contas, nem todas as empresas insolventes – as quais possuem um passivo superior ao ativo – devem ser liquidadas, visto que muitas empresas podem estar em uma condição financeira desfavorável momentaneamente, mas economicamente positivas. Um exemplo é a crise da COVID-19, a qual levou ao fechamento de muitas empresas devido a problemas de liquidez, em virtude das restrições às atividade econômica. Muitas das empresas que fecharam tinham produtos e serviços competitivos e uma gestão eficiente da companhia. Logo, percebe-se que um processo de reestruturação financeira poderia fazer com que elas superassem a crise da COVID-19.

         Jackson e Skeel também argumentam que o processo de falência é importante, pois muda o controle de boa parte das decisões da empresa para os credores. Afinal de contas, os sócios da empresa possuem incentivos de tomar ações arriscadas para tentar reverter a situação financeira, o que pode não estar alinhado com os interesses dos credores. Logo, com a mudança de controle, pode-se tomar ações de recuperação muito mais ponderadas.

         Nesse sentido, a nova lei de falências traz mudanças significativas para a economia brasileira, as principais são:

  • ·         Regulamentação do financiamento para empresas em recuperação judicial;
  • ·         A nova lei aumenta o número de prestações de dívidas tributárias de 84 para 120 e reduz o valor de cada prestação;
  • ·         Os credores poderão desenvolver um plano próprio de recuperação da empresa;
  • ·         O prazo de 180 dias de suspensão das ações contra e empresa em processo de recuperação judicial pode ser estendido por mais duas vezes;
  • ·         Os produtores rurais que atuam como pessoa física também passam a ser autorizados a solicitar recuperação judicial;
  • ·         Regulamentação da empresa e recuperação judicial de empresas que atuam internacionalmente;
  • ·         O juiz fica autorizado a decretar a falência das empresas que descumpriram o pagamento de parcelamento de créditos tributários. O juiz também pode decretar a falência da empresa que seja vendida durante o processo de recuperação judicial, mas que não sobraram recursos para honrar os créditos tributários e aos credores;
  • ·          A lei amplia a proteção do adquirente de bens da empresa em recuperação judicial. O adquirente não poderá assumir dívida de qualquer natureza da empresa;
  • ·         Os créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho podem ser incluídos na recuperação extrajudicial da empresa, caso haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional;
  • ·         Fica proibida a distribuição de lucros e dividendos durante o processo de recuperação judicial;
  • ·         O devedor não precisará pagar imposto de renda e CSLL caso haja ganho de capital derivado de bens em recuperação ou falência.

       Apesar da aprovação de uma nova lei de falências ser essencial para a melhoria do ambiente econômico brasileiro, alguns especialistas apontam falhas no projeto. Uma das principais controvérsias é a possibilidade de o Fisco pedir à Justiça a falência de empresas em recuperação judiciais que descumprirem acordo ou parcelamento de dívidas com a União. Esta situação poderia complicar o processo de recuperação judicial, visto que o Fisco se tornaria mais um player no processo de recuperação judicial, garantindo maior poder ao Estado nesse processo. Para o advogado Eduardo Parenti Gonçalves outro problema do projeto é “a continuação das execuções de caráter fiscal em paralelo à recuperação judicial”. Ele argumenta que as execuções fiscais “pode[m] resultar no esvaziamento precoce do valor da empresa recuperanda, o que diminui, por conseguinte, o valor de retorno para os credores”.

         Outros especialistas, como os advogados Felipe Bayma e Adriana Zamponi, argumentam que a lei moderniza o processo de recuperação judicial, torna o processo mais transparente, além de tratar de temas importantes como os direitos de credores estrangeiros e a recuperação de crédito. Ou seja, com esta nova lei o ambiente econômico brasileiro deve melhorar e facilitar a recuperação econômica do país da crise da COVID-19.

         De maneira geral, a nova lei de falências deve modernizar o processo de falências, visto que traz mais transparência e flexibilidade ao processo de recuperação judicial. Contudo, como qualquer lei, existem críticas que devem ser avaliadas para melhorar o aparato legal brasileiro. No entanto, a lei é apenas um passo no caminho para melhorar a segurança jurídica no país e trazer mais eficiência e isonomia ao Judiciário brasileiro. Além disso, ela é um importante indicativo para a população que o governo tem capacidade de aprovar reformas de seu interesse, gerando assim mais confiança para a população, o que é essencial para o estímulo ao consumo e investimentos no país. 

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