Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos Estados Unidos.         
         

         O Brasil é um país em que as pessoas, em geral, poupam pouco. Seja pela renda baixa de grande parte da população que inviabiliza sua capacidade de poupar, visto que toda sua renda precisa ser usada para garantir sua subsistência ou seja pelo consumismo de boa parte da população, as taxas de poupança das famílias são baixas. Em 2019, a poupança das famílias era de 13,5% de sua renda. As taxas de poupança só não são menores, pois o FGTS faz com que 8% (em geral) do salário bruto dos funcionários tornem-se uma poupança compulsória da população. Estamos muito abaixo das taxas de poupança de países com taxas de crescimento elevados como a China, onde a população poupa cerca de 30% de sua renda. Em última instância, esta condição econômica tem efeitos perversos para a economia e a sociedade, de modo geral. Afinal, baixos níveis de poupança levam ao elevado endividamento das famílias, à baixa capacidade de investimento do país, à inviabilidade de crescimento econômico sustentável e a uma grande vulnerabilidade social das famílias.

         Em primeiro lugar, parte da explicação para as baixas taxas de poupança no Brasil estão ligados com a cultura do consumo impregnada em grande parte da população. O consumismo de parte dos brasileiros é fruto do avanço do capitalismo mundial, que tornou mais acessível à população diversos tipos de produtos, os quais se tornaram mais baratos e de melhor qualidade com o desenvolvimento da produção industrial em massa. Associado ao maior acesso da população a diversos produtos e serviços, o avanço do capitalismo promoveu um ambiente de competição entre as empresas que estimulou uma maior inovação dos produtos e serviços oferecidos entre as empresas, as quais também recorreram a estratégias de marketing para se manterem competitivas no mercado. Por fim, com o avanço econômico, a renda da população cresceu, aumentando ainda mais sua capacidade de consumo. 

         Com um ambiente econômico inovador, uma população mais rica e produtos e serviços mais acessíveis, houve uma transformação comportamental e cultural da população. Através de campanhas publicitárias ecom a exposição dos novos produtos e serviços nos meios culturais (telenovelas, programas de televisão, livros, revistas, internet etc.), grande parte dos indivíduos passaram a ter um maior desejo de adquirir esses produtos, mesmo que estes não fossem necessários para as suas necessidades pessoais. Por fim, o maior acesso ao crédito por parte da população facilitou ainda mais a capacidade de adquirir bens e serviços.

         Em princípio não há nada de errado com o consumo. O consumo é responsável pelo funcionamento do comércio, da indústria e diversos tipos de serviços. Além disso, grande parte dos avanços sociais, econômicos e científicos que o mundo experimentou nas últimas décadas foram propiciado pelo consumo da população. Queremos produtos melhores e que atendam as nossas necessidades que inevitavelmente sustentam uma longa cadeia econômica. Entretanto, o excesso de consumo pode representar um problema tanto para as finanças individuais da população quanto para a economia de um país.

         Para os indivíduos que consumem demasiadamente, a sua taxa de poupança cai substancialmente. Ou seja, o indivíduo está dando preferência ao seu consumo hoje ao invés de seu consumo futuro. Para grande parte da população isso deveria ser um grande problema, afinal, a vida é repleta de incertezas. Crises econômicas e sanitárias, como a pandemia da COVID-19, crises políticas, desastres climáticos e ambientais, podem nos levar ao desemprego, impedir nossa capacidade de gerar renda e nos trazer despesas inesperadas. Tais situações podem nos levar a precisar buscar empréstimos desnecessários (que podem ter altas taxas de juros) ou até mesmo nos levar a falência. Além disso, é preciso pensar em nossa velhice. Nesta fase da vida não teremos a mesma capacidade de trabalhar do que em nossa juventude. Logo, nossa renda tenderá a ser menor e dependeremos de nossa poupança para custear nossas despesas. Em última análise, um baixo nível de poupança nos coloca em uma posição de vulnerabilidade social, pois qualquer fenômeno inesperado pode nos colocar em uma classe social mais baixa e a pobreza passa a se tornar uma realidade.

         Não é por acaso que 66% das famílias brasileiras estão endividadas e 25% estão inadimplentes. O consumo excessivo inevitavelmente nos leva para o endividamento. Algo extremamente perigoso em um país com as taxas de juros mais altas do mundo, que podem levar facilmente as famílias a falência.

         Já para os países, uma baixa taxa de poupança também é algo negativo. Este é um problema especialmente para os países em desenvolvimento, os quais dependem de mais bens de capital (infraestrutura, indústria, máquinas, ferramentas etc.) para ter um desenvolvimento econômico sustentável no longo prazo. Para se obter estes bens de capital é necessário que o país tenha capacidade de investimento. No entanto, a capacidade de investimento de um país está condicionada a sua capacidade de atrair investimento externo ou interno, os quais dependem exclusivamente da poupança de fora ou de dentro do país, respectivamente. É verdade que a poupança também poderia provir do poder público. Porém, esta não é a realidade do Brasil onde o governo sucessivamente gasta mais do que arrecada. Neste cenário, a poupança da população torna-se crucial para financiar os investimentos que o país precisa para crescer.

         Enfim, a crise da COVID-19 nos trouxe diversos ensinamentos. Um dos principais é a necessidade de se ter capacidade financeira de superar fenômenos inesperados. Muitas pessoas que possuíam condições de vida confortáveis enfrentaram grandes problemas financeiros. Empresários viram a capacidade de sua empresa gerar caixa desaparecer, muitos empregados foram demitidos e não tiveram a oportunidade de buscar um novo emprego. No entanto, aqueles que tinham reservas financeiras estão sendo capazes de superar este momento turbulento. A realidade é que grande parte das pessoas só aprende nos momentos de dificuldade. Com as incertezas trazidas pela pandemia, vimos a taxa de poupança do país crescer para 20,2%. A princípio, parece ser um aumento momentâneo. Contudo, se conseguirmos manter esta nova realidade, no longo prazo, teremos indivíduos com finanças pessoais mais sólidas e uma economia mais pujante. Uma mudança de mentalidade da população pode ser benéfica para todo o país.

Investir como Pessoa Física ou Pessoa Jurídica?

Investir como Pessoa Física ou Pessoa Jurídica?

Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos Estados Unidos.            O mundo corporativo e a economia se caracterizam por sua dinamicidade. Constantemente, as variáveis do...