A inadimplência pode se tornar um obstáculo para conseguir emprego?
O Brasil enfrenta um dos maiores índices de inadimplência dos últimos 12 anos. Os levantamentos mensais divulgados pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontam que, desde 2021, mais de 70% das famílias brasileiras estão endividadas – percentual que, em abril de 2022, alcançou o ápice de 77,7%. Também neste mês, 28,6% das famílias estavam com as contas em atraso. A razão é a crise econômica que se instalou no país, elevando a inflação e aumentando o desemprego.
Mesmo diante de todo esse cenário negativo, muitas empresas ainda criam obstáculos para contratar pessoas que estão com o nome sujo. No entanto, rejeitar um candidato com base nessa premissa só tende a agravar este cenário e transformá-lo em uma espiral negativa. Afinal, sem emprego, muito maiores serão as chances das pessoas não terem uma fonte de renda para quitar suas dívidas.
Além de nociva, essa prática adotada por algumas empresas também é ilegal. Se o profissional conseguir reunir provas, por exemplo, o caso pode, até mesmo, chegar ao Judiciário.
O que diz a lei sobre a inadimplência em processos seletivos?
Consultar cadastros de inadimplência, como SPC e Serasa, durante um processo seletivo não é algo proibido por lei. Há quem defenda o poder diretivo da empresa, que abre à empresa a possibilidade de escolher as condições e critérios de seleção de pessoal.
Mas, por outro lado, há quem defenda também o direito à intimidade dos candidatos. Essa linha de pensamento leva em conta que cadastros de inadimplentes têm por objetivo proteger o crédito no mercado. E, por isso, consultá-lo em processos seletivos e utilizar essa artimanha como pretexto para rejeitar um candidato que não está com o nome limpo ou, então, não possui um score de crédito satisfatório acaba sendo um desvio de finalidade, que pode ser interpretado como ato de discriminação.
E é aí que o problema começa. Afinal, algumas legislações brasileiras proíbem práticas discriminatórias em qualquer contexto e isso inclui a fase de admissão profissional. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a própria Constituição Federal, por exemplo, proíbem esse tipo de atitude e a inadimplência entra nesse combo.
Essa regra, no entanto, não tem o mesmo respaldo em caso de aprovação em concurso público. Isso porque o serviço público não é regido pela CLT, como acontece com a iniciativa privada, e, portanto, a legislação brasileira que trata sobre as vagas públicas não adentra em questões como os critérios de seleção, por exemplo.
Por isso, não é ilegal exigir que o candidato tenha o nome limpo na hora da posse. Nestes casos, é importante consultar o que diz o edital do concurso, que é considerado lei naquele pleito.
O que o candidato pode fazer
Se um candidato for rejeitado por causa do nome sujo, pode acionar a Justiça para pleitear uma indenização. No entanto, é inevitável conseguir provas de que a inadimplência foi, de fato, o motivo da exclusão do processo seletivo – o que pode ser uma dificuldade, já que as empresas têm o direito de omitir os critérios que utilizou para optar ou não por um candidato.
Ainda assim, isso pode acontecer. E não é obrigatório que a prova seja, necessariamente, um documento escrito. A Justiça também aceita alternativas, como áudios de gravação ou o depoimento de uma testemunha, por exemplo.
No caso de um concurso público, o candidato pode recorrer ao Judiciário para tentar retirar do edital a regra que determina o nome limpo em caso de aprovação. Afinal, ainda que não seja regido pela CLT, o serviço público está vinculado à Constituição Federal, que também proíbe a discriminação.
Uma das únicas exceções que tornam inaceitável uma eventual inadimplência do candidato, tanto na iniciativa privada quanto em um cargo público, pode estar relacionada a funções ligadas às finanças ou controle financeiro. Afinal, a atividade a ser realizada é justamente algo que exige uma postura idônea para atestar a credibilidade da instituição e do profissional.
Fora essas situações bem específicas, a inadimplência não pode ser um obstáculo para quem está em busca de trabalho. Mais do que uma discriminação velada, essa também é uma prática considerada ilegal e irregular. E pode afetar diretamente na reputação da empresa.
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