Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos                               Estados Unidos.

                     

 Enviada em meados de julho pelo governo federal, a CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços) continua sendo motivo de muita controvérsia nas discussões acerca de seu impacto econômico em diversos setores da economia. O imposto pretende unificar o PIS e COFINS, com o intuito de criar um tributo similar ao IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Entretanto, diferentemente dos argumentos apresentados pelo governo, diversos especialistas na área tributária apontam que o setor de serviços será substancialmente afetado pela CBS. Além disso, muitos alegam que a CBS não trará as simplificações tributárias demandadas pela sociedade e poderá trazer mais malefícios do que benefícios para o funcionamento da economia.

Em primeiro lugar, é preciso enfatizar que grande parte da polêmica associada com a criação do CBS está relacionada com a estratégia do governo em propor uma reforma tributária “fatiada”. Assim sendo, diferentes propostas serão enviadas em diferentes períodos para avaliação do Congresso. Portanto, torna-se muito mais difícil que especialistas e empresários avaliem o real impacto da reforma nos diversos setores da economia. Logo, quando é analisado apenas o impacto do CBS em alguns setores da economia, os efeitos podem parecer extremamente nocivos à sustentabilidade de algumas atividades econômicas, especialmente ao setor de serviços.

Em sua apresentação do projeto de reforma tributária, o governo destaca os princípios da proposta, tais como: não aumento da carga tributária; aumento da segurança jurídica; neutralidade; equidade; estímulo ao investimento e emprego; entre outros.  Certamente, todos esses princípios estão alinhados com os anseios da sociedade, que busca um sistema tributário mais simples e que estimule o desenvolvimento socioeconômico do país. No entanto, a estratégia política de enviar diferentes propostas da reforma em diferentes fases, acaba por minar a confiança do cidadão nas reais intenções do governo com a reforma. Afinal de contas, quando analisamos exclusivamente o impacto da CBS em algumas atividades econômicas, percebe-se um aumento expressivo na carga tributária.

Um dos pontos mais polêmicos do CBS é a alíquota uniforme de 12% (por fora) sobre a receita bruta das empresas. Atualmente as empresas no lucro presumido pagam 3,65% por dentro (3,79% por fora) de PIS/CONFINS. Já no lucro real é pago 9,25% por dentro (10,19% por fora). Ou seja, a reformulação do PIS/CONFINS como a CBS representaria um aumento substancial na carga tributária, em especial para as empresas do lucro presumido, visto que o aumento do pagamento de impostos seria aproximadamente três vezes maior. É verdade que os créditos deste tributo seriam ampliados, o que hoje não ocorre no lucro presumido, contudo o setor de serviços teria limitações no uso dos créditos, visto que este setor é caracterizado pelo uso intensivo de mão de obra, a qual não gera crédito para a CBS. 

Alguns especialistas chamam a atenção para o incentivo à “pejotização” criado pela CBS, visto que desta forma as empresas poderiam usar os créditos da CBS provenientes do seu custo com mão de obra.  No entanto, a estratégia da “pejotização” traria riscos trabalhistas e jurídicos para as empresas, visto que em muitos casos o poder judiciário considera este tipo de arranjo trabalhista como sendo fraudulento. Assim, ao invés de aumentar a segurança jurídica que o ambiente de negócios brasileiro precisa, o novo imposto pode trazer o resultado oposto.

As empresas no SIMPLES nacional também poderão ser prejudicadas pela CBS, apesar de não serem diretamente atingidas pelas mudanças. Por um lado, por sofrerem uma alíquota de impostos menor que empresas de outros regimes de tributação, as empresas que adquirirem bens ou serviços de empresas do SIMPLES poderão utilizar menos créditos. Assim, a CBS reduz a vantagem competitiva das empresas do SIMPLES.  Por outro lado, o aumento da carga tributária que as empresas de serviços devem sofrer irá refletir em aumento de preços, o que também aumentará os custos das empresas do SIMPLES.

O aumento da carga tributária decorrente da CBS é demonstrado por um estudo do Observatório de Política Fiscal da FGV. Segundo o estudo, existe efetivamente um aumento de carga tributária com a alíquota de 12%. A alíquota neutra seria de 10,1%. Portanto, quanto analisado apenas este imposto, percebe-se que a carga tributária do país tende a aumentar com a reforma. Quando o ICMS e o ISS são adicionados à CBS, o nível da carga tributária se torna ainda mais alarmante, cerca de 35%. Ou seja, o IVA brasileiro seria o mais alto do mundo. 

O impacto da CBS no setor de serviços também pode trazer efeitos negativos para a economia nacional. O setor de serviços representa cerca de 75% da economia do país  e cerca de 78% da fonte de trabalho da população ocupada no país.  Quando levamos em conta a crise econômica decorrente da pandemia, qualquer aumento de carga tributária pode significar um componente adicional que comprometa a sustentabilidade financeira de uma empresa. O presidente do Conselho Federal de Contabilidade, Zulmir Breda, explica que “[o quadro tributário com a CBS] leva a crer que poderá haver aumento da informalidade ou das demissões, uma vez que dificilmente as empresas terão condições de refletir esses aumentos de custos nos preços de seus produtos e serviços.” Desta forma, a CBS tornaria a política fiscal do país contracionista, ou seja, tenderia a reduzir a atividade economia do país, o que seria um contrassenso quando levamos em conta a recessão que o país vivencia. 

Além disso, os clientes do setor de serviços irão experimentar uma alta nos preços caso a CBS seja aprovada com o texto atual. Os laboratórios médicos, por exemplo, estimam que o preço dos exames deve subir cerca de 10%.  Em um estudo mais amplo do setor de serviços, a Brasscom estimou o aumento de preços em 8%. Enfim, a CBS trata-se de um imposto que aumentará os preços de diversos bens e serviços.

Muitos especialistas também afirmam que a CBS não faz uma simplificação ampla do arcabouço tributário brasileiro, pois muitos benefícios, isenções, imunidades, diferenças de alíquotas, entre outras vantagens são mantidas para alguns grupos em detrimento de outros. Para Eduardo Schmitt Júnior “trata-se de uma mera unificação de duas contribuições (PIS e Cofins) em uma contribuição nova, com um regramento que busca um pouco mais de clareza e transparência, além de tentar simplificar as obrigações legais.” Logo, a primeira fase da reforma não promove a profunda transformação do sistema tributário brasileiro, algo extremamente necessário para aumentar a competitividade das empresas brasileira, melhorar o ambiente de negócios do país e estimular o investimento interno e externo em nossa economia.

É crítico que o Brasil desenvolva um novo sistema tributário para que o país atinja um novo patamar de desenvolvimento econômico. O atual sistema tributário brasileiro privilegia certos grupos em detrimento de outros, é extremamente complexo, regressivo e com alta carga tributária. Entretanto, a corrente proposta da CBS pode ser substancialmente negativa para o setor de serviços, o qual é responsável pela maior parcela da economia nacional. A CBS precisa ponderar as especificidades do setor de serviços, especialmente o uso intensivo da mão de obra. Afinal de contas, um dos principais componentes de agregação de valor ao serviço é a mão de obra. Logo, a impossibilidade de se creditar os custos com mão de obra acaba por afetar o setor de serviços. Basicamente, o reordenamento da PIS/CONFINS está fora dos princípios de equidade e neutralidade apresentados pelo governo.

Além disso, o aumento de carga tributária que a proposta da reforma tributária trás é extremamente negativa para o país, visto que, em meio a uma grave crise econômica tal atitude tenderia a frear a economia brasileira, a qual precisa de um ambiente econômico mais dinâmico e produtivo para crescer. O Estado brasileiro precisa se reestruturar. A redução de gastos públicos e a melhoria do ambiente de negócios, através da simplificação de impostos, redução da carga tributária e enxugamento da máquina pública devem ser o caminho a ser seguido para estimular o desenvolvimento do setor privado brasileiro e um crescimento mais forte da economia do país.

Referências

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