Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos Estados Unidos.

Infelizmente a gestão financeira de muitas empresas é confundida com as finanças pessoais dos sócios dessas entidades. Assim sendo, muitas pessoas acabam se utilizando e se beneficiando indevidamente de bens de suas empresas, além de tomarem ações que possam trazer repercussões jurídicas, tributárias e financeiras que comprometam tanto a empresa quanto o sócio. Portanto, este artigo abordará como a prática de distribuição disfarçada de lucros pode gerar problemas para as empresas e seus sócios.

Em geral, a distribuição disfarçada de lucros acontece quando a empresa não possui lucros a distribuir, ou quando a empresa possui débitos salariais e tributários. Nesses casos, muitos sócios buscam mecanismos para custear suas finanças pessoais com recursos da empresa, mesmo que esta tenha experimentado prejuízo ou possua alguma pendência tributária ou salarial. Contudo, ocorre que tal prática é ilegal, pois se trata de um ato de evasão fiscal. Afinal de contas, os sócios poderiam receber recursos da empresa, mesmo que ela possua alguma das restrições mencionadas, através da remuneração por pró-labore. No entanto, eles evitam ser remunerados pelo pró-labore, pois há necessidade do pagamento de Imposto de Renda e INSS, enquanto a distribuição de lucros é isenta de ambos. Portanto, a realização da distribuição disfarçada de lucros é considerada um planejamento tributário ilícito.

Atualmente, duas legislações estabelecem quais atos podem ser caracterizados como distribuição disfarçada de lucros: o Decreto no 9.580/2018, e o Decreto-Lei no 1.598/1977.

No artigo 528 do Decreto 9.580/2018 e no artigo 60 do Decreto-Lei 1.598/1977, a distribuição disfarçada de lucros é presumida quando a pessoa jurídica realiza os seguintes atos:

  •       aliena, por valor notoriamente inferior ao de mercado, bem do seu ativo à pessoa ligada;
  •        adquire, por valor notoriamente superior ao de mercado, bem de pessoa ligada;
  •       perde, em decorrência do não exercício de direito à aquisição de bem e em benefício de pessoa ligada, sinal, depósito em garantia ou importância paga para obter opção de aquisição;
  •       transfere a pessoa ligada, sem pagamento ou por valor inferior ao de mercado, direito de preferência à subscrição de valores mobiliários de emissão de companhia;
  •      paga, à pessoa ligada, aluguéis, royalties ou assistência técnica em montante que excede notoriamente ao valor de mercado; 
  •      realiza, com a pessoa ligada, qualquer outro negócio em condições de favorecimento, assim são entendidas como condições mais vantajosas para a pessoa ligada do que para as que prevaleçam no mercado ou situações em que a pessoa jurídica contrataria com terceiros.
  •         a parte das variações monetárias ativas que exceder as variações monetárias passivas;
  •         empresta dinheiro a pessoa ligada se, na data do empréstimo, ela tiver lucros acumulados ou reservas de lucros.

É importante notar que o termo “pessoa ligada” citado nas legislações não inclui apenas os sócios e administradores da empresa, mas também o cônjuge e os parentes de até terceiro grau, inclusive os afins, do sócio da empresa. Ademais, estas ações de distribuição disfarçada de lucros, estão sujeitas ao pagamento de impostos e multas tanto pela pessoa jurídica quanto ao sócio da empresa. No caso da pessoa física, deverá ocorrer o pagamento de Imposto de Renda, geralmente de 27,5% do lucro distribuído disfarçadamente, mais multa de 75%. Já a pessoa jurídica deverá pagar o INSS não recolhido, geralmente de 20% do lucro distribuído disfarçadamente, mais uma multa de 75%.

Além da distribuição disfarçada de lucros, as práticas citadas acima podem estar associadas com outros descumprimentos da legislação tributária. Se a empresa, por exemplo, vender um bem para pessoa ligada por um valor abaixo do praticado no mercado, pode-se considerar que a empresa está omitindo receita (sonegando impostos), pois alguns impostos serão pagos sob uma base de cálculo menor, como o IRPJ e CSLL.

Para evitar problemas tributários, quando a empresa está impedida de distribuir lucro, os sócios podem receber recursos das empresas de duas formas. A maneira ideal seria a remuneração pelo pró-labore. Outra opção seria a concessão de empréstimos aos sócios, os quais requerem o pagamento de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e o pagamento de juros do sócio para a empresa, equivalentes aos praticados por instituições financeiras. Nesses casos, os sócios podem retirar recursos da empresa sem estarem sujeitos a sanções legais e tributárias

Em última instância, é essencial que os gestores e sócios de empresas sejam prudentes na condução de seus negócios. Afinal de contas, a continuidade de uma empresa depende que ela seja rentável e que as ações de seus gestores estejam alinhadas com os fatores determinantes para seu crescimento e fortalecimento financeiro. Quando as finanças pessoais passam a se misturar com as finanças da empresa, lançam-se os primeiros passos para o fracasso financeiro de ambos. Portanto, é importante que os membros de sociedades jurídicas não realizem distribuição disfarçada de lucros, pois esta prática pode gerar muitos prejuízos aos sócios e a empresa.