Por João Victor Silva, analista de mercado da Orsitec, formado em Relações Internacionais e Economia pela Boston University, nos Estados Unidos.

 

Após quase dois anos de incertezas acerca da retomada plena da atividade econômica, a redução do número de mortes e contágios pela Covid-19 mundialmente está possibilitando a normalização do convívio social e a redução de restrições à atividade econômica. Contudo, a retomada econômica está sendo muito turbulenta. Afinal de contas, as medidas emergenciais tomadas pelos governos ao redor do mundo desestabilizaram ainda mais a economia global.

Atualmente, uma das principais ameaças à recuperação da economia global é a crise logística que o mundo está passando. Em um mundo globalizado, como o que vivemos hoje, dependemos da boa fluidez do comércio global para termos acesso aos mais variados produtos e para que as indústrias tenham acesso aos seus insumos. Nesse sentido, o setor de transportes é fundamental para fazer a “engrenagem” do comércio internacional funcionar – um mercado que movimenta 19 trilhões de dólares por ano.

Infelizmente, a desorganização da economia promovida pelas medidas de restrição à atividade econômica e a ocorrência de eventos adversos como o bloqueio do Canal de Suez, em março deste ano, ocasionaram uma crise sem precedentes no setor de transportes marítimos. O preço do frete de um container (40 pés) entre a China e o Brasil, por exemplo, cresceu mais de doze vezes desde o início da pandemia. Enquanto antes da pandemia conseguia-se pagar cerca de 1,2 mil dólares pelo frete de um container, hoje o valor do frete ultrapassa 15 mil dólares. No mercado entre China e Estados Unidos a situação é ainda mais dramática. O preço do frete de um container entre os dois países está superando 20 mil dólares. No gráfico abaixo, que demonstra o índice de preços do frete de containers no mercado chinês, percebe-se a disparada no preço que passamos a observar durante a pandemia:

Gráfico 1: Índice de Frete Conteinerizado de Xangai

 

 

 

 

 

 

Em boa parte, os Estados Unidos é um dos responsáveis pela desorganização da cadeia de transportes marítimos. Nos portos de Los Angeles e Long Beach, os quais são responsáveis por 40% do movimento dos portos americanos, há um grande congestionamento de navios para serem atracados. No 7 de outubro, por exemplo, havia 60 navios em espera. Este problema é resultado de um conjunto de fatores. Em primeiro lugar, há uma falta de trabalhadores no porto, visto que os amplos auxílios promovidos pelo governo americano estão desestimulando as pessoas a procurarem emprego. O mesmo problema acontece no mercado de caminhões, os quais estão em falta para retirar os contêineres dos portos. Associado à falta de trabalhadores, houve um grande aumento de fluxo de navios para os Estados Unidos, devido ao rápido crescimento da demanda por produtos importados. Ou seja, ao mesmo tempo em que as operações portuárias do país se desestruturaram, o fluxo de viagens aumentou. Tais atrasos possuem um “efeito dominó”. Assim, ocasionando um verdadeiro pesadelo logístico pelo mundo.

Desafortunadamente, é difícil enxergar a solução desse problema no curto prazo. Afinal de contas, não é possível expandir a estrutura portuária e construir navios do dia para noite. Assim sendo, o preço dos fretes marítimos deve continuar em um patamar elevado por alguns anos. Esta situação trata-se de um verdadeiro problema, que ameaça a recuperação da economia mundial em dois sentidos. Por um lado, com um custo de transporte mais elevado, os preços finais dos produtos importados devem ficar mais caros. Assim, fortalecendo o processo inflacionário que estamos experimentando. Por outro lado, com uma cadeia logística desorganizada, as indústrias nacionais não podem minimizar os efeitos desse caos logístico. Afinal de contas, hoje as cadeias globais são verticais. Isto significa que a maioria das indústrias não desenvolvem determinado produto do início ao fim do processo de produção. Uma fábrica de carros no Brasil, por exemplo, precisa de componentes fabricados na União Europeia, México, China e Coréia do Sul para fabricar um carro. Então, quando a cadeia logística global fica desestruturada, o mundo inteiro sofre com as consequências econômicas dessa situação.

Em última instância, a crise logística global trará dois problemas para os consumidores. Primeiramente, o aumento de preços, que deve ser maior do que o aumento de salários, deve reduzir o poder de compra dos consumidores ao redor do mundo. Nesse sentido, o padrão de vida da população será reduzido. Outro fenômeno que deve acontecer é a escassez de determinados produtos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os grandes lojistas estão sugerindo à população que antecipem as compras para o Natal porque eles estão prevendo atrasos nos recebimentos de produtos. Enfim, em um cenário de aumento de preços e desabastecimento, quem perde é o consumidor que terá menos capacidade de satisfazer seus desejos e necessidades econômicas.

A crise logística que estamos enfrentando nos faz refletir que a maior interdependência econômica entre os países potencializa problemas isolados. Eventos adversos em determinados locais do mundo podem criar verdadeiras crises globais. O bloqueio de um canal no Egito ou problemas logísticos nos portos da Califórnia e políticas econômicas irresponsáveis estabelecidas por grandes economias são exemplos de como eventos isolados podem criar um caos logístico que leva a desabastecimentos e aumento de preços.

A crise da Covid-19 nos deu uma grande lição. Restringir o funcionamento da economia leva a desequilíbrios econômicos que corroem o padrão de vida da população. As autoridades precisam ter responsabilidade em suas decisões. Afinal de contas, dissociar a economia da vida é uma verdadeira aberração. Toda a população depende do bom funcionamento da economia para sobreviver. Se alguém não fizer o alimento chegar no supermercado, o combustível chegar nos postos, a eletricidade chegar em casa e o remédio chegar na farmácia, ficamos sem nossos meios básicos para sobrevivência. Aliás, não é por acaso que o desenvolvimento econômico propiciou uma grande transformação na medicina. Agora, podemos viver por mais tempo e com maior qualidade de vida graças a geração de riquezas promovida pela a economia de mercado, que facilita o acesso a uma alimentação de qualidade e investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos médicos.

Infelizmente, certas lideranças dissociaram a economia das nossas vidas. No início da pandemia uma frase do ex-prefeito de Teresina, Firmino Filho, simbolizou bem esta falta de compreensão que a economia é vida. Segundo o prefeito, “ Economistas sabem como ressuscitar uma economia. Médicos não sabem como ressuscitar uma vida”. Ele não poderia estar mais enganado. Nem economistas, nem médicos, por melhores que sejam, conseguem fazer milagres. A economia nada mais é do que um sistema de cooperação entre os indivíduos. Quando este sistema é comprometido, os mais vulneráveis são aqueles que mais sofrem. Se antes o problema era o vírus, agora o problema é a fome e a miséria. De acordo com um relatório da ONU, a disrupção da cadeia de suprimentos global coloca 821 milhões de pessoas em países de baixa renda em uma condição de insegurança alimentar. Já, de acordo com o Banco Mundial, a crise da Covid-19 colocou mais 150 milhões de pessoas em um nível de extrema pobreza. Infelizmente, em alguns anos ficará a seguinte dúvida: será que as medidas de restrição à atividade econômica mataram mais do que o próprio vírus?

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